O DESABAFO DE UM MÉDICO
Um plano de carreira resolveria tudo. Mais dinheiro no SUS resolveria a infraestrutura.
Melhor gestão melhoraria o resto
Melhor gestão melhoraria o resto
FERNANDO LUCCHESE*
Pediatria é uma especialidade médica em desaparecimento. Exigem-se, ao final dos seis anos de curso médico, mais dois para o jovem tornar-se um pediatra geral. Mais dois se ele quiser dedicar-se à cardiologia. Mais dois se ele pretender ser intensivista e dedicar-se ao cuidado de neonatos em UTI. A formação do pediatra pode durar tanto quanto o próprio curso de medicina. Para quê? Para receber a pior remuneração das especialidades médicas. Por isso os hospitais não conseguem contratar pediatras, emergencistas, intensivistas. Eles simplesmente não existem mais. Mudaram para outras áreas, deixaram de escolher essa especialidade sacrificada. As UTIs e a as emergências estão lotadas. Mas não adianta ampliá-las porque não existem médicos para assisti-las. E a solução dada pelo governo: aumentar mais dois anos o curso médico, já o mais longo de todos os cursos universitários, e agora, por decreto, sem consulta a quem entende, se tornará o mais longo curso de medicina do mundo. Surpreendentemente, ao contrário de Cuba, que forma “médicos” em três anos. Adeus, pediatras. Adeus, ginecologistas e obstetras. Adeus, cardiologistas intensivistas, outra espécie em extinção. Muitas outras especialidades farão falta neste país. Há alguns anos sumiram os candidatos para cirurgia cardiovascular, pois o MEC estabeleceu uma formação de seis anos após o curso de seis.
A desinformação do governo é chocante. Não existem médicos nas periferias das cidades e do país porque não existe perspectiva futura para eles. Um plano de carreira resolveria tudo. Mais dinheiro no SUS resolveria a infraestrutura de atuação destes médicos em locais nos quais hoje nem estetoscópio existe. Melhor gestão do sistema de saúde melhoraria o resto. A legislação do SUS é quase perfeita. Faltam gestores competentes para colocá-la em prática.
O ministro Mercadante, prometendo um curso de medicina voltado para as necessidades da população, ou não conhece a população ou desconhece nossos cursos de medicina. Acredita ele que estamos formando médicos para a Bélgica ou Suíça? Nossos alunos saem conhecendo a realidade mas menos da metade deles consegue ingressar em um programa de residência médica. Os demais, simplesmente, não têm opção de uma carreira progressiva, que inicia na periferia com a perspectiva de chegar ao centro no futuro. Como os juízes.
O que me consola é que não estarei aqui para assistir o desastre. As “novas” faculdades de medicina de oito anos iniciarão em 2015. Os primeiros médicos se formarão em 2023. Os que decidirem ser pediatras ou intensivistas ou emergencistas estarão prontos em 2029 iniciando suas carreiras aos 35 anos, até aí sustentados por uma bolsa. Os sobreviventes dessa longa carreira serão muito poucos. Infelizmente, quem pagará as inconsequências desse governo serão os meus netos e os do ministro Padilha. Eu estarei em outra dimensão, testemunha impotente, mas com a consciência de ter me rebelado.
* Médico
Publicado no ClicRBS
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