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    A SENTENÇA COMPLETA CONTRA O SECRETÁRIO ANDRÉ DE LUCA


    Autos n° 020.08.028598-8

    Ação: Ação de Improbidade Administrativa/Lei Especial
    Autor:  Ministério Público
    Réu:  André Luiz De Luca e outros

    Vistos, etc.


    O Ministério Público de Santa Catarina ingressou com ação de Improbidade Administrativa com pedido liminar em face de André Luiz De Luca, Davino Gava e Luiz Eduardo Lapolli Conti, devidamente qualificados nos autos, aduzindo, em síntese, que na data de 26.09.2008 na Rua São José, em Criciúma/SC, o automóvel VW Passat Village LS conduzido por Davino Gava foi parado pelo agente da autoridade de trânsito e transportes da Criciumatrans, de nome Devair Serafim Borges.

    Expôs que o agente de trânsito, ao checar as condições do automóvel, constatou que este estava circulando sem o obrigatório Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRVL) desde o ano de 2005. Devido ao fato, autuou o veículo por violação ao art. 230, I, da Lei n.9.503/97 e o guinchou.

    Inconformado com o ocorrido, o motorista do veículo, com o objetivo de intimidar Borges, apresentou-se como cabo eleitoral de Luiz Fernando Cardoso, conhecido como "Vampiro", ex-presidente da Criciumatrans, afirmando ter amigos na mesma empresa pública.

    Sustentou que, pouco depois, o Diretor Presidente da Criciumatrans, André Luiz De Luca, entrou em contato com Borges, solicitando a não apreensão do veículo e dizendo que o condutor  do automóvel era "gente nossa".

    Argumentou que, no mesmo dia, o Assessor Jurídico da Criciumatrans,  Luiz Eduardo Conti, a mando de seu chefe, André Luiz De Luca, autorizou a liberação do carro de Davino sem a formalização de qualquer requerimento, sendo que, por não estar presente, pediu para a sua estagiária elaborar e assinar em seu nome o memorando que instruiu e fundamentou o Auto de Liberação de Veículos.

    Por fim, requereu a condenação de todos os requeridos e o deferimento da liminar, visando o afastamento dos réus André Luiz De Luca (Diretor-Presidente da Criciumatrans) e Luiz Eduardo Lapolli Conti (assessor jurídico da Criciumatrans) pelo ato ímprobo destes últimos  consistente na deslealdade para com a instituição a qual servem e que deveriam velar ao permitir a circulação do carro em situação irregular e a sua liberação sem os devidos requisitos.

    Deu-se à causa o valor de R$1.000,00 (mil reais).

    À fl. 09 foi apresentado o rol de testemunhas do autor.
    A apreciação do pedido de afastamento liminar dos agentes públicos foi postergada para o momento de análise do mérito (fl. 105).

    Ato contínuo, os réus foram notificados, nos termos do art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/92, e apresentaram suas defesas prévias (fls. 110-112; 114-128 e 181-184).  
    Recebida a presente ação civil pública (fl. 186-187), os réus foram devidamente citados, apresentando contestação.
    O primeiro réu, André Luiz De Luca,  afirmou que não falou sobre a possibilidade de liberação do veículo para o agente Borges e que também não pediu para o Assessor Jurídico da Criciumatrans, Luiz Eduardo Conti, liberar o automóvel.
    O segundo réu, Davino Gava, sustentou que não solicitou a ninguém que fosse facilitada a liberação de seu carro e que apenas procurou Luiz Eduardo Conti, pois lhe falaram que era ele o responsável pela liberação dos veículos.

    O terceiro réu, Luiz Eduardo Conti, suscitou, preliminarmente, a inadequação da via processual eleita e a carência de ação em virtude da sua ilegitimidade passiva. Quanto ao mérito,  defendeu-se do ato ímprobo, argumentando que o memorando é um procedimento interno acerca da liberação de veículos apreendidos em casos especiais. Sobre a violação ao princípio da legalidade discorreu que, ao fazer o memorando, não permitiu a circulação do veículo de Davino Gava, sendo que apenas solicitou a liberação do carro para este ficar depositado na garagem do motorista. Com relação à violação ao princípio da impessoalidade, argumentou que, até a data dos fatos, não conhecia o segundo requerido, tampouco sabia que este fazia parte de um partido político. Ademais, no tocante a violação ao princípio da moralidade e da ausência de dolo, sustentou que seguiu os mesmos procedimentos que eram adotados anteriormente a sua admissão no cargo e que apenas incorporou entre suas tarefas os procedimentos de  liberação de veículos como já eram feitos, sem qualquer tipo de dolo.

    Houve réplica às fls. 248/250.

    À fl. 275, a conciliação restou inexitosa. Na audiência de instrução e julgamento foram ouvidas 8 (oito) testemunhas.

    As alegações finais foram feitas às fls. 295/358, sendo que  o Ministério Público requereu a procedência parcial da ação a fim de que  somente o réu André Luiz De Luca seja condenado, ante a ilegitimidade passiva dos outros requeridos. Por sua vez,  os réus pugnaram pela improcedência da ação.
    Vieram-me conclusos.

    RELATADOS, DECIDO.

    Trata-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa com pedido liminar em face de André Luiz De Luca, Davino Gava, Luiz Eduardo Lapolli Conti, na qual pretende o autor, Ministério Público, obter a condenação do primeiro réu pela prática da conduta ímproba descrita no art. 11, inc. I, da Lei n. 8.429/92.  


    A preliminar suscitada pelo réu Luiz Eduardo Lapolli Conti com relação à inadequação da via eleita - ação civil pública - para apurar a prática de suposto ato ímprobo perpetrado pelos réus não merece ser acolhida.
    Isso porque, a ação civil pública é meio adequado, a teor da regra insculpida no art. 129, inc. III da Constituição Federal, para o controle dos atos do Poder Público, verbis:

    "Art. 129: São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".

    Tal disposição constitucional, portanto, ampliou o rol elencado no art. 1º, inc. IV, da Lei 7.347/85, para abranger, sem prejuízo da ação popular, a averiguação dos atos de improbidade administrativa, com aplicação das sanções previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e nas disposições da Lei 8.429/92.

    A propósito, eis a lição de Alexandre de Moraes:

    "Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para o ato de improbidade administrativa à ação civil pública, que constituiu nada mais do que uma mera denominação das ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais.

    "Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata de via processual adequada para a proteção do patrimônio, dos princípios constitucionais da administração pública e para repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivo, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão no art. 12 da Lei n. 8.429/02 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal) e o art. 3º da Lei Federal n. 7.347/85.
    "É esse o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, que afirmou que o 'campo de atuação do MP foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta pelo art. 1º da Lei 7.347/85'.  Reiterando esse posicionamento, decidiu o STJ que 'tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de danos ao erário público', concluindo no sentido de que 'conforme alguns precedentes da Corte, é legítimo ao Ministério Público propor ação civil pública, uma vez que o texto constitucional/88 (art. 129, III), ampliou o campo de atuação do MP, colocando-o como instituição de substancial importância na defesa da cidadania". (Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 350-351).  

    A par disso, o réu Luiz Eduardo Lapolli Conti, argüiu, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva ad causam.
    Há uma discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a qualidade de sujeito ativo de atos de improbidade dos agentes públicos com atribuição consultiva – responsáveis pela elaboração de pareceres – hipótese em que se enquadra o réu Luiz Eduardo Lapolli Conti.

    Sobre o tema, convém destacar a explicação de José dos Santos Carvalho Filho:

    [...] pareceres são atos enunciativos, em cujo conteúdo se consigna apenas a opinião pessoal e técnica do parecerista, e ninguém desconhece que podem variar amplamente as soluções apontadas em tais opinamentos. Por tal motivo, o parecer por si só não contém, como regra, densidade para a produção de efeitos externos; ao contrário, depende sempre do ato administrativo decisório, ou seja, do ato final da autoridade a quem incumbe aprovar ou não o parecer, valendo observar que a aludida autoridade não está vinculada aos termos do opinamento. Depreende-se, por via de conseqüência, que, como regra, o agente parecerista não se qualifica como sujeito ativo de improbidade. Não obstante, se sua atuação for calcada em dolo, culpa intensa, erro grave ou inescusável, servindo como suporte para o ato final, será ela caracterizada como ato de improbidade [...]” (grifou-se) (Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 1.174-1.175).
    Pois bem. É possível extrair do conjunto probatório dos autos que ao réu Luiz Eduardo Lapolli Conti, ocupante do cargo de provimento em comissão de assessor jurídico junto à Criciumatrans – empresa pública de trânsito e transporte do município de Criciúma – competia a elaboração de pareceres e pronunciamentos sobre as questões cotidianas e jurídicas, envolvendo a empresa pública, sendo que a atribuição efetiva para a liberação ou não de veículo retido era de competência do Coordenador de Agentes de Trânsito (à época, João Rodrigues Júnior), o qual era responsável, em especial, pela produção do ato administrativo consistente no auto de liberação de veículos.
    Quer-se dizer: na hipótese, o memorando interno expedido pela assessoria jurídica da Criciumatrans possuía a finalidade de apontar o preenchimento ou não das condições necessárias à liberação dos veículos retidos e apreendidos pelos agentes de trânsito. O ato de liberar ou não o veículo objeto de retenção e apreensão competia ao Coordenador de Agentes de Trânsito, o qual, diante de um memorando interno, poderia ou não acatar a opinião nele contida.

    Neste sentido, argumentou o procurador do réu Luiz Eduardo Lapolli Conti: “Tanto é verdade que o memorando era anexado ao ato administrativo (o auto de liberação de veículo) apenas como motivação do ato, não se confundindo com o ato propriamente dito. O cidadão que objetivasse recuperar seu veículo apenas com o memorando não lograria qualquer êxito, pois dele se exigiria o auto de liberação, que constitui a manifestação, de fato, da Administração”.

    Por conta disso, considerando que o ato do réu Luiz Eduardo Lapolli Conti não comportava, por si só, densidade para a produção de efeitos externos, ou seja, não era suficiente à liberação do veículo retido e apreendido, porquanto esta dependia do ato do Coordenador de Agentes de Trânsito, este sim, com carga decisória, e, inexistindo comprovação de dolo na conduta do assessor jurídico, conclui-se pela sua ilegitimidade passiva ad causam, ao passo que não figura como sujeito ativo do ato de improbidade em questão.

    Da mesma forma, embora o réu Davino Gava, incluído no pólo passivo da demanda na qualidade de terceiro beneficiado, não tenha suscitado a sua ilegitimidade passiva ad causam, por se tratar de questão de ordem pública (condições da ação), a análise desta preliminar, que se confunde com o próprio mérito da causa, é medida que se impõe.

    O art. 3º da Lei n. 8.429/92, com relação ao terceiro beneficiado, dispõe que: “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.

    Neste particular, revela-se oportuna transcrição do seguinte trecho da obra de José dos Santos Carvalho Filho:

    Nos termos do art. 3º da Lei n. 8.429/92, terceiros são aqueles que, não se qualificando como agentes públicos, induzem ou concorrem para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiam direta ou indiretamente.  O terceiro somente recebe o influxo da Lei de Improbidade se estiver de algum modo vinculado ao agente; sem vinculação com este, sujeitar-se-á a sanções previstas na respectiva lei de incidência. A conduta ímproba não é genericamente a de prestar auxílio ao agente, mas sim a de induzir ou concorrer. O sentido de induzir é o de instilar, plantar, incutir em outrem a ideia do ilícito (que antes não existia); concorrer, por sua vez, significa participar do ilícito, prestando auxílio material ao agente” (op. cit. p. 1.177).

    Ademais, a responsabilidade do terceiro por ato de improbidade administrativa exige ação dolosa, ou seja, a ciência da ordem ilícita da vantagem. O comportamento culposo não se compatibiliza com o recebimento de benefício indevido.

    No caso concreto, o réu Davino Gava, no dia 26.09.08, teve o seu veículo retido e apreendido pelo agente de trânsito Devair Serafim Borges, uma vez que dito automóvel encontrava-se circulando sem o obrigatório Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo (CRLV).

    O réu Davino Gava afirmou que, em momento posterior à autuação, procurou informações junto à Guarda Municipal, sendo encaminhado ao setor jurídico da Criciumatrans, pois foi informado que a liberação de seu veículo dependia de requerimento perante à empresa pública referida. Lá comparecendo, o réu Davino Gava apresentou uma série de documentos e diante deles, lhe entregaram um memorando interno, o qual deveria ser apresentado à Guarda Municipal para fins de liberação do seu veículo, sob a condição de mantê-lo fora de circulação até a emissão regular do CRLV.  

    É certo que o agente de trânsito responsável pela retenção e apreensão do automóvel do réu Davino Gava, narrou que este, no momento da autuação, teria mencionado ser partidário da sigla PMDB e cabo eleitoral do então candidato a vereador, Luiz Fernando Cardoso (vulgo "Vampiro"), com o fim de não se sujeitar às penalidades da infração de trânsito por ele cometida. Da mesma forma, o réu André Luiz De Luca admitiu, tanto na defesa prévia quanto em sua contestação, que, na data dos fatos, recebeu uma ligação de Elivelton Danielski, genro do réu Davino Gava e funcionário da Criciumatrans, razão pela qual, posteriormente, teria entrado em contato com o Agente de Trânsito, via rádio, solicitando a liberação imediata do veículo sem a adoção do respectivo procedimento administrativo.       

    Contudo, com base no acervo probatório dos autos, não há prova robusta no sentido de que o réu Davino Gava tenha solicitado a intermediação de seu genro, Elivelton Danielski com o fim de obter a liberação de seu veículo retido e apreendido para o réu André Luiz De Luca. Isto é, não há, no feito, indicação segura da existência de conluio entre o réu Davino Gava e o réu André Luiz De Luca para lhe conceder a liberação do seu automóvel ao arrepio da lei e da prática administrativa.

    Assim, em que pese reprovável a conduta do réu Davino Gava, o qual, supostamente, teria tentado utilizar de sua condição de cabo eleitoral de determinado partido político para não se ver atingido pelas penalidades da infração de trânsito por si cometida, é cediço que "nem toda irregularidade administrativa pode ser classificada como improbidade, mesmo quando aparentemente o ato tisnado de irregularidade se enquadre na tipificação genérica do art. 11 da Lei n. 8.429/92 (AC n. 2008.081144-5, de Ipumirim, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros), o que somado ao fato de não haver comprovação do vínculo do réu Davino Gava com a conduta ímproba do réu André Luiz De Luca, faz com que o primeiro não se sujeite às penalidades da Lei n. 8.429/92.

    Posto isso, conquanto já se tenha adentrado, de certa maneira, no mérito da quaestio, neste momento, passa-se a analisar, especificamente, as circunstâncias fáticas, envolvendo o réu André Luiz De Luca, e as conseqüências jurídicas decorrentes da conduta deste réu.

    No curso da instrução processual, foram colhidos depoimentos testemunhais que confortam à saciedade a tese defendida pelo Ministério Público, pois evidenciam que o réu efetivamente fez uso de sua autoridade, na condição de Presidente da Criciumatrans, para patrocinar interesse particular.
    Devair Borges, o agente de trânsito que abordou o réu Davino Gava, declarou:

    "[...] que na data de 26.9.28, próximos às 11h, na rua São José, esquina com o Happy & Restaurante, desta Cidade, na qualidade de agente de trânsito, parou o veículo VW Passat Village LS, de propriedade de Alan da Silveira, porém conduzido por Davino Gava; que requereu do condutor os documentos necessários sempre exigidos nas 'blitz' rotineiras (CNH e documentos do carro); que o Sr. Davino disse-lhe que não portava tais documentos; [...]; que tomou os procedimentos de praxe: tratou de autuar o veículo por cometer ato gravíssimo (sete pontos na carteira e R$ 191,00) e fez todos os contatos para que o carro fosse guinchado. Entretanto, neste ínterim, disse-lhe o condutor 'Olha, dá uma esperadinha aqui, que eu tenho um conhecido na Criciumatrans, sou do PMDB, faço campanha para o 'Vampiro'; que não deu ouvidos aos comentários do condutor e continuou a fazer os demais procedimentos; que o Sr. Davino desceu o morro irritado para ir até o comitê do 'Vampiro'; que dez minutos depois, apareceu um senhor perguntando-lhe o seu nome e logo após o agente de trânsito, ora declarante, recebeu uma ligação do Presidente da Criciumatrans, Sr. André Luiz De Luca; que durante a ligação foi perguntado se o agente de trânsito havia apreendido um veículo com as características já descritas; que quando o declarante disse que ´sim´ e que já havia feito todos os procedimentos legais, o declarante fora surpreendido com a seguinte frase do interlocutor: 'Não tens como tu só multares e deixares o veículo sair? Se não tiver faz o seguinte: libera o veículo, pois é gente nossa e eu conheço, que ele colocará o carro em dia logo. Não se preocupe com o guincho que eu dou um jeitinho mais tarde, só libera ele!'; que o agente de trânsito não acatou a ordem dada por telefone e mandou que o veículo fosse guinchado; [...]" (fls. 11-12);         
    E, acrescentou:

    "[...] que sobre a situação ocorrida na data de 26.09.2008, quando parou o veículo VW Passat Village LS, conduzido por Davino Gava, foi chamado pelo Presidente André De Luca, via rádio HT; que até aquele dia nunca havia falado com o Sr. De Luca; que todos os agentes ouviram a chamada do Presidente pelo rádio,  próximo às 11h; [...]; que aproximadamente uma semana depois o Presidente De Luca compareceu à Base, por volta das 07h10min da manhã, [...], pedindo desculpas diretamente ao Agente Borges perante o corpo de agentes presentes" (fl. 90).
    De sua vez, Gláucia da Silva de Oliveira Fraga, agente de trânsito, ratificando o conteúdo da declaração prestada no inquérito civil, esclareceu:
    "[...] que os diálogos via rádio entre agente e a base são aberto; que escutou quando o agente Devair Borges contatou a Central pedindo informações sobre o veículo que abordara; que a Central informou que o referido  veículo se encontrava em situação irregular, com débitos pendentes há mais de três anos; que logo em seguida o Presidente da Criciumatrans, André De Luca, entrou na comunicação, se identificou e disse para o Devair que queria fazer um QSO com ele; que QSO significa conversa privativa via celular; [...] que posteriormente, no mesmo dia, na Base, localizada no Terminal Central, soube por Devair que este tinha recebido do Presidente De Luca uma solicitação para que não guinchasse o veículo autuado, mas que Devair entendera por bem cumprir seu dever, pois constatara  irregularidades no automóvel; que soube por Devair que o condutor do veículo conversou com alguém antes de o agente receber o contato de André De Luca; que também soube que o condutor se dizia cabo eleitoral do candidato 'Vampiro', do PMDB, ex-Presidente da Criciumatrans; que também soube que na mesma tarde o veículo autuado foi liberado; que uns quatro dias depois do fato o Presidente André De Luca esteve na Base para pedir desculpas a Devair e aos agentes por ter tentado ajudar um particular; que alguns dias depois o agente Devair foi suspenso de suas funções, sendo as razões da suspensão desconhecidas pelos demais agentes" (fl.72).

    Daniel Francisco Freitas, agente de trânsito, referiu o seguinte:

    "[...] que o depoente nunca presenciou um pedido da diretoria do Criciumatrans para um agente; que a única vez que o depoente ouviu um pedido desse tipo foi a questão retratada nos autos; [...]; que anteriormente a este caso o depoente tem ciência de que outro veículo foi liberado nas mesmas condições; que o depoente inclusive já procedeu dessa forma, 'mas, somente com ordem do presidente da Criciumatrans, que na época era André De Luca'; que o depoente recebeu ordem verbal e se negou a liberar, afirmando ser errada a liberação; que só o fez após ordem por escrito do presidente; [...]" (fl. 278).

    E, por fim, Sabrina Conceição da Rosa da Silva, ao prestar declarações perante o Promotor de Justiça, informou:

    "[...] que depois de alguns minutos adentrou na comunicação do HT o Presidente da Criciumatrans, André De Luca, que se identificou e solicitou um QSO com o agente Borges; que depois de um tempo a depoente ligou para o Agente Borges e perguntou o que acontecera, sendo informada que De Luca havia lhe pedido que não guinchasse o veículo, mas que Borges, diante da irregularidade dos documentos do carro, estava decidido a cumprir seu dever; [...] que uns dias depois do ocorrido, no início do turno da manhã, André De Luca esteve na Base dos agentes de trânsito e, dirigindo-se aos presentes, pediu desculpas pelo fato de ter tentado proteger um particular, reconhecendo seu erro e comprometendo-se a não mais repeti-lo; [...]" (fl.75).
    Nesse viés, tem-se que os princípios da impessoalidade e da moralidade foram, dolosamente, violados pelo réu André Luiz De Luca que, fazendo uso de sua influência funcional, pois, à época, Presidente da Criciumatrans, interferiu, efetivamente, na prática administrativa a fim de que não houvesse a retenção e apreensão do veículo do réu Davino Gava, bem como que fosse agilizada a liberação de tal automóvel sem o devido procedimento administrativo.
    Tanto foi assim que o próprio réu André Luiz De Luca, alguns dias após o ocorrido, compareceu à base da guarda municipal e perante os agentes de trânsito lá presentes, formalmente pediu-lhes desculpas por ter intervido, de forma impessoal, em favor de um particular.  

    E, como é cediço, “a utilização de influência pública para favorecimento pessoal implica em ato de improbidade administrativa, ofensivo aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, impondo a aplicação de sanções específicas” (AC n. 2007.000417-1, de Lages, Rel. Des. Subst. Sônia Maria Schmitz).  

    Aliás, é salutar lembrar que “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 842).

    Assim, constatada a transgressão do dever jurídico e dos padrões éticos e morais esperados daqueles que gerenciam os desígnios públicos, e, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sopesando a gradação do ato ímprobo e as peculiaridades do caso concreto, a penalidade que melhor repreende a infração cometida pelo réu André Luiz De Luca é a multa civil, que se fixa no importe de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).  

    Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na ação por ato de improbidade administrativa para:
    a) reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam do réu Luiz Eduardo Lapolli Conti com fulcro no art. 267, inc. VI, do CPC;
    b) isentar o réu Davino Gava das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92, porquanto não restou comprovada, à saciedade, a existência de conduta ímproba por ele praticada (art. 269, inc. I, do CPC).

    E, nos termos do art. 18 da Lei n. 7.347/85, incabível se apresenta a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios e das custas processuais, pois ausente a ocorrência de má-fé.

      c) condenar o réu André Luiz De Luca em virtude da prática de ato ímprobo (art. 11, inc. I, da Lei n. 8.429/92), ao pagamento de multa civil no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) - art. 12, III, da Lei 8.429/92 -, devidamente atualizado pelo INPC a contar da data de publicação desta decisão até o dia do efetivo pagamento, acrescidos de juros moratórios de 12% ao ano a partir do trânsito em julgado desta decisão (TJRS – AC 70029506219, Rel.ª Des.ª Agathe Elsa Schmidt da Silva – DJ 05.04.2010).

    Como conseqüência, considerando o julgamento parcialmente procedente, arcará o réu André Luiz De Luca com as custas processuais, sendo incabível a sua condenação no pagamento de honorários advocatícios (REsp 785489 / DF, Rel. Min. Castro Meira, DJ 29.06.06 e AC n. 2007.055577-1, de Lauro Müller, Rel. Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, DJ 02.06.09).
    P.R.I.

    Oportunamente, arquive-se.

    Criciúma (SC), 04 de maio de 2010.



    Bruna Canella Becker
    Juíza Substituta

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