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    MARX E A DIVISÃO DA SOCIEDADE

    A pior e ao mesmo tempo a melhor divisão da sociedade foi feita por Karl Marx: proletariado x burguesia. Assim nos dividem seus seguidores nos dias de hoje de uma forma simples e de fácil entendimento. Porém, que outras tantas divisões há nesta mesma sociedade? Vejamos algumas: de gênero, de renda, de cor (pele, olhos e cabelos), de geografia, de idioma, de altura, de peso, de idade, de saúde ou da falta dela, de profissão, de escolaridade, de origem (imigrante, migrante ou emigrante), de esporte, de time de futebol, de família, de gosto sexual, de temperamentos... Haveria mais alguma?

    O contexto histórico em que viveu Karl Marx limitou sua visão.

    Quando disse que talvez seja a melhor é porque a visão marxista se resume à luta pela sobrevivência, presumo. Sem querer esgotar cada uma dessas divisões e nem fechar a lista, permitam-me viajar por elas. As divisões tal como expus são óbvias. E o que me interessa neste texto não é exatamente mostrar que elas existem, mas que elas sufocam a divisão marxista, tornando-a mais uma.

    Note que a divisão em gênero coloca num mesmo pacote todos os ‘burgueses’ e ‘proletários’ no momento em que há homens de um e de outro lado, há mulheres de um e de outro lado e que vão agir unidos e desunidos conforme a situação.

    Na mesma linha há a renda, haja vista que proletários aos montes ganham mais que burgueses aos montes. Ora, o dono de um bar de bairro não tem renda maior que o gerente de banco, por exemplo. Mas o dono do bar é burguês porque é dono do negócio e o gerente é proletário porque é contratado pelo banqueiro.

    A divisão de cor de pele da mesma forma, porque há negros ricos e brancos pobres e vice-versa. Há negros burgueses e brancos proletários e vice-versa. Não entra a aqui a quantidade de um ou de outro, mas a condição de brancos e negros, amarelos ou vermelhos serem, pelo mundo a fora, burgueses e proletários. Porém, a condição de tez os une, reforça cultura etc.

    A cisão geográfica se dá na razão de um ser latino-americano e outro ser asiático e isso servir de distinção entre um e outro, mas coloca todos os asiáticos (burgueses e proletários) na condição de serem asiáticos e isso os une num dado momento.

    No caso do idioma. Bem, nada pode servir mais de liga entre as gentes que o idioma. Não se entender torna a relação pior do que a de ser proletário ou burguês. O idioma é um fator de convergência e de divergência.

    Ufa... Somos divididos pela nossa altura e peso. O fato de ser paciente pela obesidade coloca burgueses e proletários a dividir a mesma angústia. Ora, o obeso come mais que deveria e se come alguém paga esse alimento. Daí pode-se pensar que, na condição de doente desse mal pouco importa quem paga, mas como se livrar da gordura. Assim, se movem os grupos de AA ou doentes crônicos. Tampouco a condição de burguês ou proletário faz toda a diferença no acesso à solução. Haja vista que um proletário pode ter melhor aposento que um que foi empresário quando o assunto é o custo do tratamento. Correm por fora os servidores públicos...

    Escolaridade é um bom exemplo, pois é comum encontrar-se um burguês de pouco estudo contratando um pós-graduado. E os pós-graduados da mesma forma se encontram na condição de patrões e empregados. Mas têm o estudo em comum.

    Segue nessa mesma linha as origens de cada um (imigrante, migrante ou emigrante), o esporte que pratica, o time para o qual torce. E principalmente de família já que duas pessoas (um burguês e um proletário) podem ser irmãos e como ficaria sua relação diante da pregação do proletário extinguir o burguês? Seria o vínculo afetivo/familiar tão menos importante? Quem não conhece um sujeito que é empregado de seu irmão ou mesmo pai empregando filho.

    O que discorro aqui é que as nossas relações impedem uma divisão da sociedade em apenas dois grupos. Muito menos dividi-la em burgueses e proletários. Ainda mais pela origem das palavras que hoje estão totalmente fora de contexto. Ao ver citações com esse conteúdo fico a pensar no tamanho da ignorância ou má intensão de quem profere. Ora, o máximo que temos em nossa sociedade, que pode chegar perto de um ‘Burgo’, seriam os sindicatos patronais. Mas, convenhamos, a distância é enorme. Além disso, Marx não tinha em sua análise um ingrediente fortíssimo de nossos dias: governos democráticos. Esses governos interferem na relação empregado/patrão impondo uma série de preceitos, coisa que não havia nos primórdios da Revolução Industrial, como a Previdência, carga horária e condições de trabalho (insalubridade etc), por exemplo.

    A condição de igualdade não explica como ficam várias atividades em sociedade tais como a de um desportista olímpico. Ele produz algo intangível, meramente publicitário e como concorreria à condição de cidadão com o operador de máquina? Da mesma forma não explica qual a condição dos líderes de governo, afinal exercem o poder, inclusive bélico. Além disso, esse sistema não imputa punição ao poder central em seus desvios, como numa democracia até mesmo o presidente da república pode ser punido. E mais complexo ainda seriam os erros dos amigos do poder, haja visto que relações se travam e favores fazem parte das intrincadas redes que sustentam a “última palavra”. E não poderia deixar de se mencionar que riqueza é gerada pelo comércio. Ora, um país comunista só poderia gerar riqueza ao vender para outro. E como fazer o preço de venda? Para sustentar-se precisaria “explorar” outro país.

    Mas o pior ainda não é isso. O caso mais grave das análises dos seguidores de Karl Marx é a atribuição da miséria e exploração à existência do capitalismo e dessa relação burguesia e proletariado. Negam toda a desgraça das relações anteriores em que o homem explorava o homem e a miséria grassava. No Capitalismo, pelo menos, há uma troca: te presto um serviço e por ele você me paga. Se o pagamento não é bom há vários mecanismos de pressão, como a greve e a abertura do próprio negócio. Ironicamente, marxista patrão e consultor de empresas tem aos montes! O PT que o diga.

    Por fim, tão obtuso quanto dividir a sociedade nesses dois é supor que o proletariado possa extinguir a figura do patrão. Essa ideia é tão burra que nem poderíamos discuti-la. Sim, nem posso discuti-la. É como dizer a um Aiatolá que só Jesus salva!

    Um dono de mercadinho aqui perto trabalha seis dias por semana, das 8h às 19 horas, tem dois funcionários que podem conseguir trabalho em qualquer outro mercado, mas ele pode falir e perder seu patrimônio para pagar passivo trabalhista... Há que se rever quem explora quem e em que dimensão.

    A ditadura do proletariado impediria, por exemplo, que eu não queira ser proletário. Da mesma forma ignora o fato de o Estado ser dono de tudo e a ideia da posse é uma marca instintiva da nossa espécie. Queremos ser proprietários, nem que seja do nosso cantinho. Ignora também as discrepâncias entre as posições na produção, pois quem é do chão de fábrica não verá jamais com bons olhos os do escritório (no ar-condicionado).

    Um dos exemplos mais significativos deu-se em três anos dessa pseudo-igualdade no início dos anos de 1970 no Chile. As empresas instituídas à época que se viram sob o domínio de “todos” foram destruídas pela falta de dono, de comando. Os proletários se sentiam donos e levavam para casa parte da produção para vender como bem entendessem. Sem contar as mortes sumárias em nome do fim dos exploradores. E quem poderia impedi-los? Em três anos o país foi de uma certa estabilidade para quase a miséria, sendo economicamente “salvo” pelo regime militar, quando Pinochet reagiu ao para-exército que se formava com o dinheiro público com vistas à invadirem outros países à volta (mas essa é outra história). Chilenos que fugiram dos marxistas para o Brasil testemunham a diferença, pois aqui tinham acesso aos bens básicos, como uma geladeira, quando o comunismo fez isso sumir ou virar artigo superfaturado pelos amigos do poder. Claro, não podemos esquecer do racionamento de comida para o povo ao mesmo tempo que rolavam banquetes no palácio... O comunismo é algo muitíssimo semelhante ao que era a França antes da queda da Bastilha.

    Para terminar uma experiência familiar. Meu pai foi empresário e faliu. Teve que trabalhar de porteiro de prédio para completar seus anos de contribuição e se aposentar. Foi um explorador e virou explorado?

    Definitivamente essa turma que divide a sociedade entre burgueses e proletários, pregando o fim daqueles e o poder destes, não sabe o que diz, tampouco tem uma proposta decente para a sociedade. São “raivinhas” que usam esse discurso para legitimar seus devaneios e derrotas e que, infelizmente, estão por aí, nas faculdades a encher o saco.

    2 comentários:

    1. Você faz uma boa reflexão com o seu texto, mas tenho algumas ressalvas a fazer.

      O ponto central do seu texto parece ser dizer que não há uma divisão na sociedade entre burguesia e proletariado. Na minha opinião, você não pode querer dividir a sociedade, isso não é uma divisão, é uma dualidade, como bem e mal, ou brancos e negros. Não adianta você querer dividir a sociedade em preto e branco de nenhuma forma, e eu diria nem mesmo em preto, branco e escalas de cinza, mas também outras cores. Assim como há japoneses, que não são nem negros e nem brancos.

      Mas não dá para negar, por exemplo, que há uma diferença entre caucasianos e negros. Por exemplo, em termos de renda e de hierarquia, os caucasianos *geralmente* estão acima dos negros. Não sempre, mas existe a tendência.

      Eu confesso que não conheço Marx (e não posso me dizer marxista), e imagino, como você disse, que nas ideias dele existem as marcas de sua época. Mas estas ideias podem ser atualizadas, repensadas, contextualizadas, enfim.

      Senti um grande preconceito e desprezo por marxistas no último parágrafo do texto. Eu acho muito engraçado pessoas inteligentes desqualificarem marxistas/comunistas a partir de ad hominem.

      Também não vejo nenhuma contradição em um explorador virar um explorado (sic). Pelo contrário, pelo que eu conheço de capitalismo, isso é totalmente natural. Mas eu não usaria a palavra "explorador", muito menos diria que todo empregador se qualifica como um.

      Por fim, quando você diz que "tem que existir um patrão", que fábricas não podem funcionar sem patrão... Você nunca ouviu falar das fábricas ocupadas (a Flaskô no Brasil e outras na Argentina)?

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      1. Então, você disse exatamente o que defendo no texto: não dá para ter uma divisão da sociedade porque as relações são diversas e complexas. Tudo se relaciona com tudo conforme o momento, a pessoa etc.

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