CASO CARBONÍFERA CRICIÚMA
Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária de Santa Catarina
4ª Vara Federal de Criciúma
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5008054-12.2015.4.04.7204/SC
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: ZILMA LOURDES BURIGO GAZZOLA
RÉU: WOLFGANG FRIEDRICH
RÉU: SANENGE OBRAS E SANEAMENTO LTDA - ME
RÉU: MIRZA MARIA NAZARIO DE CASTRO
RÉU: MARCIA NAZARIO DE CASTRO HOLTHAUSEN
RÉU: JOSE LUIZ FREITAS DE CASTRO
RÉU: GUSTAVO GAZZOLLA
RÉU: CARBONIFERA CRICIUMA S. A.
RÉU: ANDREA NAZARIO DE CASTRO
RÉU: ALFREDO FLAVIO GAZZOLLA
DESPACHO/DECISÃO
Cuida-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de Carbonífera Criciúma S/A, Sanenge Obras Saneamento e Mieração Ltda., Alfredo Flávio Gazzolla, Zulma Lourdes Búrigo Gazzolla, Gustavo Gazzolla, José Luiz Freitas de Castro, Mirza Maria Nazário de Castro, Andrea Nazário de Castro, Márcia Nazário de Castro Holthausen e Wolfgang Friedrich, com pedido de antecipação de tutela formulado nos seguintes termos (evento 1):
d.1) que a Carbonífera Criciúma S/A seja intimada para:
- no prazo de 5 (cinco) dias, retomar a operação da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE), devendo tratar toda a água ácida gerada no empreendimento Mina Verdinho;
- no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar projeto de recuperação das áreas degradadas pela Mina Verdinho,
incluindo depósitos de rejeitos, estradas e pátias lastreados con
rejeitos e bacias; o projeto deverá ser apresentado à Fundação do Meio
Ambiente (FATMA), com requerimento de licenciamento ambiental e
pagamento das respectivas taxas de licenciamento; após, a empresa deverá
executar o prjeto de recuperação, conforme cronograma aprovado pela
FATMA;
d.2) que Alfredo Flávio Gazzolla, José Luiz Freitas de Castro e Wolfgang Friedrich sejam intimados para, no prazo de 30 (trinta) dias, retomar as obras de recuperação ambiental devidas pela Carbonífera Criciúma S/A,
às suas expensas, com a devida comprovação nestes autos, nas seguintes
áreas: UM VI - Santa Rosa - Área 02, UM VI - Santa Rosa - Área 14, UM VI
- Santa Rosa - Área 15, UM VI - Santa Rosa - Área 17, UM I - São Roque,
UM VI - Santa Rosa - Área 04, UM VI - Santa Rosa - Área 21, UM VI -
Santa Rosa - Área 05, UM VI - Santa Rosa - Área 07, Poço 3, 4 e 5 -
Colonial, UM VI - Santa Rosa - Área 18, UM VI - Santa Rosa - Área 19, UM
VI - Santa Rosa - Área 19-B, UM VI - Área 03, UM VI - Santa Rosa - Área
03B, UM VI - Santa Rosa - Área 08, São Marcos, UM VI - Santa Rosa -
Área 09 e UM VI - Santa Rosa - Área 10;
d.3) o arresto de bens de Alfredo Flávio Gazzolla, Zulma Lourdes Búrigo Gazzola, Gustavo Gazzolla, José Luiz Freitas de Castro, Mirza Maria Nazário de Castro, Andrea Nazário de Castro, Márcia Nazário de Castro Holthausen e Wolfgang Friedrich, até o limite de R$ 175.000.000,00, para custeio das obras de recuperação ambiental deidas pela Carbonifera Criciúma S/A;
d.4) o sequestro do faturamento obtido pela empresa Sanenge Obras, Saneamento e Mineração Ltda., em decorrência da venda de carvão mineral à Tractebel Energia;
Disse, que a Carbonífera Criciúma S/A, a
partir de 2013, passou a apresentar indícios de dificuldades
financeiras, sendo que no segundo semestre de 2014 essas dificuldades se
tornaram públicas, com atraso no pagamento de salários e dívidas
acumuladas com fornecedores, situação que se agravou com a exaustão da
jazida da Mina Verdinho. No primeiro semestre de 2015, as atividades
minerárias se encerraram e a empresa ré demitiu centenas de empregados
sem pagar as verbas rescisórias, estimando-se a dívida trabalhista em
mais de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais). Além disso, a
empresa ré transferiu sua sede jurídica para Minas do Leão, na Comarca
de Butiá/RS, local em que foi deferido pedido de recuperação jucidial
(processo nº 0002060-57.2015.8.21.0084), nos termos da Lei 11.101/2005.
Relatou que nos autos do processo nº 93.8000533-4, a Carbonífera
Criciúma foi condenada a recuperar as áreas que degradou com a atividade
de mineração de carvão, estando a condenação em fase de cumprimento de
sentença (autos nº 5001587-17.2015.4.04.7204). Ocorre que, do total de
412,46 hectares que teria que recuperar, a empresa ré concluiu a
recuperação de apenas 119,68 hectares, restando, ainda, uma área de
292,78 hectares a ser recuperada, com um custo, para conclusão das obras
restantes, estimado em R$ 175.000.000,00 (cento e setenta e cinco
milhões de reais). Não bastasse isso, a equipe técnica do MPF, após
realizar uma vistoria na Mina Verdinho, verificou que a Estação de
Tratamentos de Efluentes estava desativada e que efluentes sem
tratamento estavam sendo lançados no Rio Mãe Luzia, poluindo suas águas,
bem como que os depósitos de rejeitos piritosos precisavam ser
retirados da área e das estradas, pois estavam contaminando as bacias
ali existentes. Afirma, que se faz necessária a desconsideração da
personalidade jurídica da Carbonífera Criciúma S/A para atingir o
patrimônio dos seus atuais sócios-diretores, Alfredo Flávio Gazzolla,
José Luiz Freitas de Castro e Wolfgang Friedrich, os quais são
solidariamente responsáveis pelos danos ambientais causados pelas
atividades minerárias da pessoa jurídica. Afirma que os referidos sócios
dilapidaram o patrimônio e desviaram bens da empresa em proveito
próprio e de familiares, ocultaram elevadas somas de faturamento, no
intuito de fraudar credores e frustar a cobrança de dívidas. Por fim,
justifica a presente demanda para garantir o cumprimento de obrigações
ambientais devidas pela Carbonífera Criciúma S/A e responsabilizar seus
sócios-diretores pelo implemento dessas obrigações.
Vieram os autos conclusos.
Relatei brevemente. Agora decido.
A concessão de medida liminar
em sede de ação civil pública encontra previsão no art. 12 da Lei nº
7.347/85 e requer, para o seu acolhimento, a demonstração da verossimilhança do direito, do risco de dano de difícil ou incerta reparação e da ausência de impedimento legal.
Danos ambientais
Estabelece o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (grifei).
Em sede infraconstitucional, assim dispõe o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.939/1981 (grifei):
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas
pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das
medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos
causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os
transgressores:
(...)
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para
propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao
meio ambiente.
(...).
O inciso III do artigo 3º da Lei nº 6.938/81
conceitua poluição como sendo toda a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a
saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições
adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente
a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio
ambiente; e, e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões
ambientais estabelecidos.
Assim, uma vez presentes uma ação ou omissão
do réu, o dano ambiental e o nexo causal entre eles, decorre como
natural consequência o dever de reparação e recuperação, pois a
responsabilidade, na seara ambiental, é objetiva, independendo de dolo
ou culpa.
Nesse sentido (grifos meus):
ADMINISTRATIVO. MULTA . IBAMA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA EM PERÍODO DE DEFESO. 1. A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, o que significa dizer que é prescindível a apuração do dolo ou da culpa no dever de reparação do dano.
Assim, porque a responsabilidade é decorrente de imposição legal, não
pode ser afastada por convenção particular. 2. Não se mostra necessária a
realização de perícia para constatar-se a espécie de pescado
apreendido. Isto porque, em se tratando de atos administrativos, há
presunção de legalidade e legitimidade que somente pode ser elidida por
prova em contrário. (TRF4, AG 5009671-56.2013.404.0000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 14/08/2013).
EMBARGOS INFRINGENTES. ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. IBAMA. MULTA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). 1. A responsabilidade civil ambiental é objetiva, solidária e propter rem, respondendo pelos danos ao meio ambiente perpetrados o proprietário do imóvel.
2. Aqueles que cultivaram em área de preservação permanente, após a
entrada em vigor da norma restritiva, praticaram conduta ilícita,
exploraram economicamente quando deveriam recuperar a vegetação. 3.
Embargos infringentes improvidos. (TRF4, EINF 0000538-45.2009.404.7007,
Segunda Seção, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E.
14/01/2013).
No caso concreto, depreende-se do Parecer Técnico nº 031/2015 do MPF (evento 2 - PROCADM3), que:
A primeira área a ser vistoriada foi a Santa Rosa
Área 03 em Lauro Müller, com cronograma estabelecido para 2016, sendo
que foi constatado que as obras estavam inativas (Imagem 01), com a área
apresentando atividades aparentemente desativadas, onde a conformação
topográfica estava finalizada, restando somente a inserção da vegetação,
sistema de drenagem e construção do solo. Na área também foi observado
erosões no talvegue central (Imagem 02), como também rejeitos expostos
(Imagem 03). Ao lado do talvegue havia um remanescente florestal denso
numa pequena área do talude, propiciando maior estabilidade ao mesmo
(Imagem 04).
Na segunda área vistoriada, denominada Santa Rosa
Área 07 em Lauro Müller, com cronograma vencido em maio do corrente
ano, foi averiguado a ausência de atividades de recuperação, que segundo
o proprietário do terreno fazia seis meses que a empresa teria
realizado o último trabalho local. Ainda conforme a última vistoria no
local, no dia 17/03/2014, em relação a vistoria atual, foi constatado a
conclusão da conformação topográfica da área (Imagens 05 e 06) e
incluindo os taludes na parte sul (Imagem 06), sendo que a vegetação
encontrava-se ausente ainda, salvo uma pequena porção ao sul da área,
localizada em APP (Imagem 07), que apresentava o desenvolvimento de
gramíneas e a manutenção de algumas espécies arbóreas de forma
esparsada. Na área trabalhos relacionadas a sistema de drenagem ou mesmo
construção de solo para plantio não foram observados, não havia plantio
gramíneas recentes.
Extrai-se ainda do parecer, que "na área,
no Poço 3, 4 e 5 Colonial em Criciúma, com cronograma vencido em maio
do corrente ano, foram identificadas poucas alterações em relação às
vistorias dos dias 28/07/2014 e 05/09/2014 (Imagem 08), como a inserção de dutos para implantação do sistema de drenagem que foi interrompida posteriormente,
estando estes apenas inseridos na entrada da área. A área encontra-se
com a conformação topográfica em sua maior parte completa (Imagem 09),
restando a inserção do sistema de drenagem e a vegetação, como também a
suavização de alguns taludes (Imagem 10) e a correção de erosões em
vários pontos (Imagens 11 e 12). Segundo o proprietário do terreno, a
empresa não realiza trabalhos nessa área há pelo menos seis meses. A
área apresenta processos erosivos e desenvolvimento de gramíneas de
forma espontânea em alguns pontos, contudo, fica claro que não são
trabalhos provenientes da recuperação. De maneira geral não há indícios
de novos trabalhos ou mesmo maquinários na área que apresenta estado de
abandono desde a última vistoria" (grifos meus). A equipe responsável pelo relatório do parecer verificou, também, que "na área Santa Rosa 21, em Lauro Müller, a área apresentava os primeiros trabalhos de reconformação topográfica, contudo sem conclusão de etapas como construção da camada de impermeabilização.
Foram identificados processos erosivos em diferentes pontos da área que
é cercada por remanescentes, na vistoria de 15 de maio do corrente ano a
situação mostrava-se sem alteração (Imagem 14) relacionada a obras de
recuperação desde a última vistoria em 04 de abril de 2014 (Imagem 13).
No limite próximo a estrada observa-se intensos processos erosivos (Imagem 14)" (grifei).
Na vistoria realizada para averiguação do
sistema de tratamento de efluentes na Mina do Bairro Verdinho (Relatório
Técnico 027/2015, evento 1 - PROCADM5, p. 137/138), a equipe técnica do
MPF concluiu que "o efluente está sendo lançado no corpo hídrico fora dos padrões de lançamentos como preconiza o CONAMA nº 430/2011" (grifei), sendo que após a coleta de efluentes pela polícia ambiental o resultado foi indicativo para pH3, ou seja, de alta acidez.
Desse modo, há verossimilhança nas alegações
postas na petição inicial, porquanto a prova documental que a instrui
demonstra, ao menos em sede de cognição sumária, como a que ora se faz, a
existência de danos ambientais cuja recuperação sequer foi iniciada e a
paralisação das obras de recuperação anteriormente em curso.
O risco de dano de difícil ou incerta reparação decorre da notória complexidade, do elevado custo e do longo tempo necessário à recuperação de áreas degradadas pela mineração, Isso tudo aliado ao fato de que, enquanto não estancado, o dano ao
ambiente se mantém, renova-se e amplia-se continuamente, retardando e,
com isso, colocando em risco a possibilidade de uma recuperação que, ao
menos, aproxime-se da ideal e resguarde os interesses de todos aqueles
que do ambiente sadio e ecologicamente equilibrado são usufrutuários, ou
seja, todas as gerações presentes e futuras (CF, art. 225, caput).
A par disso, a paralisação de obras de
recuperação já iniciadas e ainda em andamento põe a perder os recursos
já despendidos e permite a continuidade e o recrudescimento da poluição
aos mananciais hídricos por metais pesados.
Ora, os rejeitos são compostos por um concentrado de matéria mineral contendo sulfetos, aluminossilicatos, óxidos/hidróxidos, entre outros, cujos metais associados podem ser liberados em meio ácido resultante da oxidação da pirita (ORTIZ, Lúcia. TEIXEIRA, Elba Calesso. Influência das atividades de processamento do carvão sobre a qualidade dos recursos hídricos superficiais.
In: Cadernos de Planejamento e Gestão Ambiental. Meio ambiente e
carvão: impactos da exploração e utilização. nº 2. Porto Alegre: FEPAM,
2002. p. 313). As principais impurezas retiradas (matéria inorgânica) nas etapas de beneficiamento são as piritas e/ou marcassitas
(FeS2), carbonatos e argilas, principais constituintes dos carvões
junto com a matéria orgânica presente (SAMPAIO, Carlos Hoffmann. Beneficiamento.
In: Cadernos de Planejamento e Gestão Ambiental. Meio ambiente e
carvão: impactos da exploração e utilização. nº 2. Porto Alegre: FEPAM,
2002. p. 29 e 42). Nas palavras do hoje procurador de justiça do
Ministério Público de Santa Catarina, Jacson Corrêa (grifei):
Da totalidade do carvão bruto explorado menos de 35% é aproveitado, enquanto o restante é constituído de rejeitos, que são fontes altamente poluidoras.
Como conseqüência do processo de produção - método de lavra,
beneficiamento, transporte, depósito de rejeitos, uso e transformação -,
somados à incipiente legislação ambiental existente até o início da
década de 80 e ao descaso com o cumprimento das normas reguladoras do
setor, a indústria do carvão mineral em Santa Catarina provocou, após décadas de exploração, um verdadeiro desastre ao meio ambiente. (CORRÊA, Jacson. Proteção ambiental & atividade mineraria. Curitiba: Juruá, 2002. p. 114/115).
No caso específico da bacia carbonífera do
Estado de Santa Catarina, a inadequada disposição de rejeitos sólidos e
das águas efluentes da mineração e beneficiamento de carvão acarretou
degradação ambiental tão severa, que a região foi considerada, pelo
Decreto nº 85.206/1980, a 14ª área crítica nacional para efeito do
controle de poluição e qualidade ambiental.
Veja-se o que diz o professor Luiz Fernando Schheibe (grifei):
No entanto, a grande vilã, que confere abrangência regional aos problemas gerados pela mineração, e que mais justifica a designação da bacia carbonífera como "Área crítica brasileira, em termos de recuperação ambiental", é a Pirita (FeS2).
(...)
Exposta ao ar e à água, a pirita dá origem inicialmente a sulfato de ferro e ácido sulfúrico, conforme a equação (simplificada)
2FeS2 + 702 + 2H2O) = 2FeSO4 + 2H2SO4
e depois disso, a uma série de compostos ácidos e de ferro, responsáveis pelo baixo pH, alta acidez e altos conteúdos de ferro e sulfatos das águas derivadas da drenagem das minas subterrâneas, dos efluentes de beneficiamento, e da drenagem das minas a céu aberto e dos depósitos de rejeitos, em operação ou abandonados (Tabela 3).
Reagindo com o próprio carvão e com as demais rochas da área, essas águas ácidas propiciam a liberação de altos teores de metais pesados.
(SCHEIBE, Luiz Fernando. O carvão em Santa Catarina:
mineração e conseqüências ambientais. In: Cadernos de Planejamento e
Gestão Ambiental. Meio ambiente e carvão: impactos da exploração e
utilização. nº 2. Porto Alegre: FEPAM, 2002. p. 55 e 57).
Acrescento ao que foi acima registrado o que dizem Lúcia Ortiz e Elba Calesso (grifos meus):
A mineração de carvão em especial, além de
promover a exposição de grandes áreas por intermédio dos processos de
lavra a céu aberto, gera uma quantidade enorme de rejeitos depositados
em pilhas ou barragens próximas às áreas mineradas. Estes depósitos,
ricos em sulfetos, podem tornar-se fontes geradoras de drenagens com
elevados níveis de metais. A partir de então, os lixiviados podem atingir rios e arroios, provocando uma ampla dispersão dos contaminantes em solução e na forma particulada
(Salomons, 1995). Alguns tipos de minas de minerais sulfetados, como é o
caso da mineração de carvão, apresentam maior capacidade de efeitos
adversos, cuja drenagem ácida pode ser originária de diversas fontes que
incluem pilhas de estocagem de minério, barragem de rejeitos de
beneficiamento, depósitos de cobertura estéril e a própria cava da mina.
(...)
A pirita é reconhecida como a maior fonte de
drenagem ácida, porém, esta pode também ser gerada por meio da oxidação
de outros sulfetos, tais como a marcassita, pirrotita e calcopirita.
(ORTIZ, Lúcia. TEIXEIRA, Elba Calesso. Influência das atividades de processamento do carvão sobre a qualidade dos recursos hídricos superficiais.
In: Cadernos de Planejamento e Gestão Ambiental. Meio ambiente e
carvão: impactos da exploração e utilização. nº 2. Porto Alegre: FEPAM,
2002. p. 303).
No que se refere à prevenção e recuperação do
meio ambiente degradado pela mineração, em especial os aqüíferos
atingidos, Raquel Barros Binotto assim leciona (grifei):
De acordo com Clarke (1995), um dos
métodos mais atraentes relacionados ao controle de poluição em
minerações de carvão é a remoção completa da fonte contaminante. Na prática, entretanto, tal método não é muito utilizado devido aos elevados custos exigidos no processo.
Já o tratamento das fontes de poluição utilizando
métodos in situ tem sido preferencialmente adotado, tendo em vista os
baixos custos alcançados.
Diversas medidas preventivas podem ser efetivadas quando do desenvolvimento de projetos de recuperação em regiões carboníferas. A qualidade das águas de drenagem pode sofrer melhorias, por exemplo, com a aplicação de técnicas de revegetação e de recuperação topográfica. A compactação das camadas de rejeito reduz a superfície de exposição da pirita ao oxigênio e à água, minimizando o potencial de lixiviação e a geração de drenagem ácida.
(BINOTTO, Raquel Barros. Contaminação das águas subterrâneas.
In: Cadernos de Planejamento e Gestão Ambiental. Meio ambiente e
carvão: impactos da exploração e utilização. nº 2. Porto Alegre: FEPAM,
2002. p. 365).
De todo o exposto, percebe-se claramente que
as obras de recuperação das áreas degradadas não podem ser simplesmente
paralisadas e abandonadas, sob pena não só de retorno aos patamares de
poluição previamente existentes, mas de recrudescimento da poluição, em
especial dos mananciais hídricos, superficiais e subterrâneos, por
metais pesados, com deletárias consequências para a fauna e flora
aquática e terrestre e para a saúde humana.
Tais consequências, assim o impõe o princípio
da prevenção, devem ser estancadas de imediato, não se podendo aguardar
o desfecho do processo, sob pena de se permitir que da natural demora
da demanda resultem graves prejuízos para o meio ambiente e a saúde
pública.
Assim já decidiu o TRF4 em situações análogas (grifos meus):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MEDIDAS
PARA CORRIGIR PROBLEMAS DO SISTEMA DE ESCOAMENTO DOS EFLUENTES
SANITÁRIOS. URGÊNCIA. Hipótese em que há necessidade e urgência de
determinar providências para evitar que o condomínio residencial
construído com recursos públicos e destinado à moradia popular continue
lançando dejetos e resíduos no ambiente, com risco de contaminação para
as populações locais e de poluição de cursos hídricos, áreas de
preservação ambiental e ao próprio ambiente local. Agravo de
instrumento parcialmente provido para determinar ao juízo de origem que
adote as providências necessárias e suficientes para: (a) determinar aos responsáveis que adotem as providências necessárias para efetivar a realização de plano de implantação de sistema de esgotamento sanitário no respectivo conjunto habitacional,
em prazo razoável a ser fixado pelo juízo da causa, a partir do que lá
for comprovado ser necessário, e sob pena de multa diária também a ser
fixada pelo juízo de origem; (b) determinar a realização
imediata de obras e a fiscalização necessária das medidas suficientes e
efetivas para impedir o lançamento de esgoto e dejetos provenientes do
condomínio popular em corpos hídricos ou em áreas de preservação
ambiental, estabelecendo também prazo e multa diária para
cumprimento dessas providências e adotando as medidas necessárias para
sua fiscalização e efetivação. (TRF4, AG 5026290-90.2015.404.0000,
Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior,
juntado aos autos em 28/08/2015).
Registro que o direito de propriedade não tem
mais a feição que outrora apresentava e, por isso, deve ser encarado
sob a perspectiva funcional, de modo a cumprir a função social prevista
constitucionalmente (CF, artigos 5º, XXIII, 170, 182, 184 e 186). Não é
demasiado lembrar que mesmo o Código Civil (art. 1.228, caput) a assegura a faculdade de "usar, gozar e dispor da coisa", núcleo econômico do direito de propriedade, condicionada à estrita observância, pelo proprietário, da obrigação propter rem de proteger a flora, a fauna, as belezas naturais e o equilíbrio ecológico, bem como EVITAR a poluição do ar e das águas (parágrafo único do referido artigo).
Por último, mas não de somenos importância, o fato de que constitui crime, apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, "Causar
poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam
resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de
animais ou a destruição significativa da flora". Ademais, qualifica o crime "causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade", ou, ainda, se a poluição "ocorrer
por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos,
óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências
estabelecidas em leis ou regulamentos" (Lei nº 9.605/1998, art. 54, caput e § 2º, III e V). Desse modo, deixar de determinar, desde logo, a continuidade das obras de recuperação já iniciadas e o início daquelas ainda pendentes implicaria compactuar com a permanência, ao menos em tese, de prática criminosa. Cumpre ressaltar, por oportuno, que não há direito adquirido a poluir, muito menos a se perpetuar prática criminosa.
Assim, merece guarida o pedido antecipatório, nesse particular.
Insolvência da Carbonífera Criciúma S/A
A insolvência da empresa ré, a Carbonífera
Criciúma S/A, é notória. O fato foi amplamente divulgado pelos meios de
comunicação e imprensa local, em razão da considerável repercussão
social advinda do encerramento da atividade minerária e da subesquente
demissão em massa de trabalhadores. Não fosse isso suficiente, a
comprovação da insolvência se dá também por meio do deferimento, em
05/08/2015, do pedido de Recuperação Judicial da empresa ré (autos nº
0301591-93.2015.8.24.0020 da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de
Criciúma).
O Inquérito Civil promovido pelo MPF
demonstra, inclusive, a atuação do Ministério Público do Trabalho, na
tentativa de garantir o pagamento das verbas trabalhistas devidas às
centenas de trabalhadores dispensados pela empresa ré sem o pagamento de
qualquer quantia, seja de salários atrasados, seja de verbas
rescisórias (evento 1 - PROCADM2, p. 9/42).
Responsabilidade dos sócios
O art. 4º da Lei n. 9.605/98 permite
desconsiderar a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos ambientais.
Paralelamente, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity doctrine), incorporada ao nosso ordenamento jurídico, tem por escopo alcançar o patrimônio dos sócios-administradores
que se utilizam da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fins
ilícitos, abusivos ou fraudulentos, nos termos do que dispõe o art. 50
do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial,
pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público
quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Nesses casos, os bens particulares dos sócios
responderão pelas dívidas da pessoa jurídica, evitando-se, com isso,
que o patrimônio daqueles fique a salvo, mormente nos casos de
inexistência de bens em nome da pessoa jurídica.
O MPF pretende a indisponibilização de bens
dos réus em valor suficiente para garantir o ressarcimento pleiteado. A
decretação da indisponibilidade de bens é medida acautelatória que visa
assegurar o resultado útil do processo, garantindo a liquidez
patrimonial do demandado para o caso de execução de eventual sentença
condenatória de ressarcimento de danos ou de restituição dos bens e
valores. Trata-se, pois, de medida excepcional aplicada apenas em casos
extremos, quando existente grande probabilidade de condenação e mediante
demonstração de fatos concretos que comprovem a dilapidação do
patrimônio por parte do réu. Isso porque não se pode presumir a má-fé,
concluindo-se, sem qualquer indicativo para tanto, que o réu frustrará a
atividade jurisdicional após tomar ciência da pretensão contra ele
direcionada.
Nesse sentido, os seguintes precedentes do TRF4 (grifei):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
USURPAÇÃO DO PATRIMÔNIO MINERAL. BLOQUEIO DE BENS. INDÍCIOS DE
DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. NECESSIDADE. Para a decretação de indisponibilidade de bens e valores de empresa, cuja responsabilidade pela prática irregular de extração de minério é apurada judicialmente, imprescindível que haja indício de que esteja alienando ou dilapidando seu patrimônio, com o intuito exclusivo de frustrar futura execução.
A mera possibilidade, em tese, de que a ré se desfaça de seu
patrimônio, sem embasamento em dados empíricos, não enseja a adoção da
medida restritiva de direito. A ordem de bloqueio de bens e valores
possui caráter excepcional, impondo-se, nesse contexto, a demonstração
da existência de indícios de que ela agiu ou está agindo, com o objetivo
de inviabilizar a execução de eventual sentença condenatória contra ela
proferida. Não restando configurada tal hipótese, afigura-se excessiva a
medida constritiva. (TRF4, AG 5005896-33.2013.404.0000, Quarta Turma,
Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 03/07/2013).
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. USURPAÇÃO
DE PATRIMÔNIO MINERAL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. BLOQUEIO DE BENS DAS RÉS.
1. Inexiste qualquer indício de que as rés estejam dilapidando seu
patrimônio, ou buscando, de alguma outra forma, frustrar a reparação
pecuniária buscada pela União. Não se pode, simplesmente, presumir a
má-fé das recorridas, pressupondo, sem qualquer indicativo para tanto,
que buscarão frustrar a atividade jurisdicional, após tomarem ciência da
existência do feito por meio da citação. 2. Milita, em favor das
demandadas, o fato de estarem, atualmente, em gozo de regular licença
para a extração de argila (ainda que, em momento pretérito, tenham
procedido à exploração de forma clandestina), uma vez que isso faz crer
que não se desfarão, deliberadamente, de seu patrimônio, ou, ao menos,
dos bens utilizados no negócio, tendo em vista que isso inviabilizaria a
atividade desenvolvida. (TRF4, AG 2009.04.00.028160-0, Quarta Turma,
Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 30/11/2009).
No dizer de Arnaldo Rizzardo, "Ante
suspeitas fundadas de que o administrador agiu de má-fé, com fraude a
interesses de credores e com prova de abuso de direito, desconsidera-se,
embora momentaneamente, a personalidade jurídica da empresa,
permitindo-se a apropriação de bens particulares para atender as dívidas
contraídas por uma das formas acima." (Arnaldo Rizzardo. Direito de empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 1121).
No caso dos autos, o Ministério Público
Federal apurou no Inquérito Civil fortes indícios de fraude contra
credores e dilapidação patrimonial dos sócios.
Registre-se, primeiramente, estar comprovado
que os sócios-diretores têm maior poder de solvência que a empresa ré
Carbonífera Criciúma, em razão de sua precária situação financeira, como
já referido anteriormente. Além disso, restou evidenciado que os
sócios-diretores são proprietários de vários automóveis, imóveis e
titulares de aplicações financeiras (evento 1 - PROCADM2, p. 96/275).
O Inquérito Civil trouxe provas de que os
sócios-diretores, também ora réus, praticaram atos negociais para
ocultar dos credores elevadas somas do faturamento da empresa ré. Nesse
intento, a empresa ré vendia para a empresa Tractebel 100% do carvão que
produzia, mas com o agravamento da crise financeira, começou a entregar
o carvão por meio de interpostas pessoas jurídicas. Assim, o
faturamento e o pagamento era feitos em nome de terceiros, evitando que
os credores penhorassem seu faturamento junto à Tractebel.
O colaborador Adair Lopes (evento 1 - PROCADM4, p. 5/7), relatou como era feita essa manobra fraudulenta (grifos meus):
Em dezembro de 2013 houve o primeiro sintoma de
crise. A Carbonífera Criciúma não conseguiu produzir o suficiente para
atender a cota. Para suprir a cota, a empresa pegava carvão emprestado
de outro fornecedor. Um dos fornecedores principais era a Carbonífera
Belluno. Em junho de 2014 a situação complicou porque acumulou, em base
de faturamento, uma dívida com a Carbonífera Belluno de 23.893
toneladas. E mais uma dívida de 24.545 toneladas para o SIECESC, também
base de faturamento. Até o mês de junho de 2014 a Carbonífera Criciúma
faturava o carvão produzido na Tractebel. O depoente acompanhava as
reuniões técnicas de faturamento e embarque no SIECESC. A partir de
julho de 2014 a Carbonífera começou a não faturar mais as 587.000
toneladas. A partir de agosto de 2014, a Carbonífera Criciúma começou a embarcar carvão produzido na sua mina, mas faturado como se tivesse sido produzido pela Carbonífera Belluno. A tractebel pagava para a Carbonífera Belluno, que repassava para a Carbonífera Criciúma. Esse esquema ocorreu de agosto a outubro de 2014. A partir de novembro de 2014, até o embarque passou a ser feito em nome da Carbonífera Belluno. O carvão era embarcado na caixa de embarque da Carbonífera Criciúma, mas a documentação toda saía em nome da Carbonífera Belluno.
A partir de novembro, se o carvão saísse no nome da Carbonífera
Criciúma não seria mais faturado. Com a redução do faturamento vieram
sérias dificuldades. Em fevereiro de 2015 a frota de caminhões foi recolhida. Primeiro os caminhões foram escondidos, para tentar evitar a apreensão.
Começou a perceber que a dívida da empresa era disseminada com diversos
fornecedores. O clima entre os diretores não era agradável,
especialmente entre o Gazolla e José Luiz. Ambos davam ordens
contraditórias para o depoente. O depoente tentava amenizar. Ouve
comentários sobre desvio do patrimônio pessoal dos sócios. José Luiz disse ao depoente que teria passado todo o patrimônio para as filhas. Fica triste com o que aconteceu com a empresa, principalmente pelos funcionários mais simples.
Ainda, o colaborador Clécio Gross
(evento 1 - PROCADM4, p. 2/4), que também prestou depoimento ao MPF,
explanou sobre as manobras para desviar o faturamento da Carbonífera
Criciúma, no intuito de fraudar credores (grifei):
Com o agravamento da crise financeira da empresa e
atraso de vários fornecedores e de impostos, havia risco de bloqueio de
faturamento junto à Tractebel. Havia também um grande atraso no
pagamento de energia elétrica, que levou inclusive ao corte. Para evitar o bloqueio, parte do carvão era entregue à Tractebel como se fosse da Carbonífera Belluno. A Belluno repassava o dinheiro para a Carbonífera Criciúma, inclusive para pagamento dos funcionários. Acredita que esse esquema de faturamento via Belluno durou cerca de seis meses. Pelo que sabe, Clésio Salvaro, Leo Santiago, Flávio Spilere e Fofo Ronsoni adquiriram uma bacia de rejeitos e de finos. Esses empresários estão beneficiando o material utilizando o lavador da própria Carbonífera Criciúma. Pelo que sabe, pagaram R$ 3 milhões por essas bacias. Esse valor não entrou no caixa da empresa e foi pago diretamente a Alfredo Gazolla e seu filho, Gustavo Gazolla. Pelo que sabe, os diretores cuidaram de transferir seu patrimônio pessoal, para evitar que fossem alvo de penhora para pagamento de dívidas da empresa. José Luiz Castro transferiu dois carros importados para "laranjas". José Luiz transferiu os dois carros para o nome do depoente. Uma semana depois, foram transferidos para uma pessoa de Tubarão, cujo nome não lembra. José Luiz continua usando os dois carros.
As declarações prestadas por Adair Lopes e
Clécio Gross, sobre o esquema para desvio de faturamento da Carbonífera
Criciúma, foram confirmadas pelas informações colhidas no SIECESC
(evento 1 - PROCADM2, p. 59/60), Tractebel (evento 1 - PROCADM2, p.
76/93), Ferrovia Tereza Cristina (evento 1 - PROCADM5, p. 119/124) e
DNPM (evento 1 - PROCADM5, p. 125/136).
A planilha apresentada pelo SIECESC fornece
elementos de que a ré Carbonífera Criciúma, até dezembro de 2012,
entregava de 30.000 a 40.000 toneladas de carvão ao mês à Tractebel, mas
a partir de janeiro de 2013 as entregas foram acima dessa média,
chegando a 60.836,40 toneladas no mês de novembro de 2013. Também
comprova, que a partir do segundo semestre de 2014 as entregas caíram
substancialmente para patamares inferiores a 30.000 toneladas ao mês,
caindo para zero em novembro de 2014.
A Tractebel apresentou elementos que confirmam as informações do SIECESC, pois a partir de novembro de 2014 o faturamento da ré Carbonífera Criciúma zerou, enquanto o da Carbonífera Belluno dobrou. Os dados fornecidos pela Ferrovia Tereza Cristina mostram que a partir de julho de 2014 a Carbonífera Belluno começa a embarcar carvão também no terminal de Santa Líbera, onde não tem mina, mas era o terminal de embarque do carvão produzido na Mina Verdinho pela Carbonífera Criciúma.
Ademais, dos dados apresentados pelo DNPM, verifica-se que a Carbonífera Criciúma continuou produzindo carvão na Mina Verdinho após supostamente deixar de entregar carvão à Tractebel, além de que a produção da Carbonífera Belluno continuou estável, sendo incompreensível o aumento de suas entregas de carvão à Tractebel.
Não obstante, temos ainda o depoimento das
testemunhas, relatando a venda de uma bacia de finos de carvão existente
dentro do recinto da Mina Verdinho, cujo produto foi pago diretamente
ao sócio Alfredo Gazzola e seu filho Gustavo, quando a Carbonífera
Criciúma já estava enfrentando graves problemas financeiros. Denota-se
que apesar de não haver provas documentais, as declarações apontam o
mesmo bem, valor e compradores, inclusive com indicação dos nomes, o que
confere presunção de verossimilhança aos depoimentos nesse ponto.
Observa-se, também, que a
Tractebel confirma a recente aprovação da transferência de 5% do
percentual da cota de fornecimento de carvão CE 4500 da Carbonífera
Criciúma para a empresa Sanenge, que é de propriedade de Gustavo Gazzola, filho de de Alfredo Gazzola, um dos sócios-diretores da Carbonífera ré, presumindo-se,
apesar de na prática essa transferência não ter se efetivado, que se
trata de uma tentativa de desvio patrimonial da empresa ré, que já
estava passando por sérias dificuldades financeiras, e contribuiu,
certamente, para acentuar a sua situação de insolvência, bem assim para
reforçar a existência de confusão patrimonial entre a empresa e seus
sócios.
Quanto à transferência de patrimônio pessoal dos sócios para familiares e terceiros, as Declaraçõs de Imposto de Renda apresentadas nos autos demonstram que, realmente, os sócios-diretores efetuaram supostas doações e venda de bens aos filhos, vejamos:
Marcia Nazário de Castro Holthausen, em 2013 recebeu de seu pai, José Luiz Freitas Castro, as seguintes doações:
(1) 50% do capital social da empresa CARF Terraplanagem e Serviços de Mineração Ltda;
(2) 50% do imóvel constituído pelo terreno com área
de 1.020,00m², com edificação de uma casa de alvenaria com área de
298,10m², situado na Praia do Rincão, matrículado sob nº 22.483;
(3) 50% do imóvel constituído pelo terreno com área de 380,00m², situado no Balneário Rincão, matriculado sob nº 19.072;
(4) 50% do imóvel constituído pelo terreno com área de 380,00m², situado no Balneário Rincão, matriculado sob nº 26.304, e
(5) 50% do imóvel constituído pelo terreno com área de 380,00m², situado no Balneário Rincão, matriculado sob nº 5.682;
Andrea Nazário de Castro, no mesmo ano (2013) recebeu do pai, José Luiz Freitas Castro, o percentual de 50% dos bens acima descritos.
Constata-se, ainda, que o sócio Alfredo Flávio Gazolla vendeu para o filho Gustavo Gazolla neste período de crise financeira da ré Carbonífera Criciúma, alguns imóveis e cotas de sociedades comerciais.
Logo, há indícios suficientes sobre a
existência de dilapidação patrimonial de bens da ré Carbonífera Criciúma
e de seus sócios-diretores, com intuito fraudulento, razão pela qual
não pode a sua personalidade jurídica constituir óbice à futura
reparação dos danos ambientais causados.
Estimativa do valor necessário à recuperação ambiental
O MPF refere que o custo de recuperação por hectare gira em torno de R$ 100.000,00 a R$ 600.000,00.
Assim o faz, em razão dos custos de reparações realizadas anteriormente
em processos judiciais envolvendo recuperação ambiental.
O custo indicado está, em meu sentir,
correto, até porque o valor apresentado visa somente equacionar o
montante a ser arrestado, já que o fim primeiro da demanda é o de
garantir a recuperação das áreas ambientais degradadas pelas atividades
minerárias da Carbonífera Criciúma, cujos custos reais serão apurados
oportunamente.
Desse modo, merece guarida o pedido de arresto de bens dos réus até o limite de R$ 175.000.000,00
(cento e setenta e cinco milhões de reais), correspondentes ao valor
necessário para a recuperação de um hectare multiplicado pelos hectares
das áreas que ainda devem se submeter à recuperação.
Ante o exposto, presentes os requisitos exigidos pelo art. 461, §§ 3º e 4º do Código de Processo Civil, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determinar:
(a) que a ré Carbonífera Criciúma, no prazo de 5 dias, retome a operação da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE), devendo tratar toda a água ácida gerada no empreendimento Mina Verdinho;
(b) que a ré Carbonífera Criciúma, no prazo de 30 dias, apresente à FATMA o projeto de recuperação das áreas degradadas (PRAD) pela Mina Verdinho, incluindo depósitos de rejeitos, estradas e pátios lastreados com rejeitos e bacias, e requerimento de licenciamento ambiental e pagamento das respectivas taxas de licenciamento;
(c) que a ré Carbonífera Criciúma execute o projeto de recuperação (PRAD), conforme cronograma aprovado pela FATMA;
(d) que Alfredo Flávio Gazolla, José Luiz Freitas de Castro e Wolfgang Friedrich, no prazo de 30 dias, retomem as obras de recuperação ambiental da ré Carbonífera Criciúma, às suas expensas, com a devida comprovação nos autos, nas seguintes áreas:
UM VI - Santa Rosa - Área 02, UM VI - Santa Rosa - Área 14, UM VI -
Santa Rosa - Área 15, UM VI - Santa Rosa - Área 17, UM I - São Roque, UM
VI - Santa Rosa - Área 04, UM VI - Santa Rosa - Área 21, UM VI - Santa
Rosa - Área 05, UM VI - Santa Rosa - Área 07, Poço 3, 4 e 5 - Colonial,
UM VI - Santa Rosa - Área 18, UM VI - Santa Rosa - Área 19, UM VI -
Santa Rosa - Área 19-B, UM VI - Área 03, UM VI - Santa Rosa - Área 03B,
UM VI - Santa Rosa - Área 08, São Marcos, UM VI - Santa Rosa - Área 09 e
UM VI - Santa Rosa - Área 10;
(e) o arresto de bens de Alfredo Flávio Gazzola, Zulma Lourdes Búrigo Gazolla, Gustavo Gazolla, José Luiz Freitas de Castro, Mirza Maria Nazário de Castro, Andrea Nazário de Castro, Márcia Nazário de Castro Holthausen e Wolfgang Friedrich, relacionados nas Declarações de Imposto de Renda referentes ao exercício 2014, ano calendário 2013, e, exercício 2015, ano calendário 2014, inclusive, aplicações financeiras, saldo em contas bancárias e cotas de sociedades empresariais.
(f) o sequestro do faturamento obtido pela empresa SANENGE OBRAS, SANEAMENTO E MINERAÇÃO LTDA., em decorrência da venda de carvão mineral à Tractebel Energia.
Para o caso de descumprimento das determinações constantes das letras "a" até "d" e "f" acima, fixo multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
O arresto de saldos de contas bancárias e aplicações financeiras em nome dos réus junto às instituições financeiras deverá ser feito por intermédio do sistema BACENJUD.
A inclusão da restrição de transferência dos veículos de propriedade dos réus será feita com o emprego do sistema RENAJUD.
A indisponibilidade dos bens imóveis deve ser feita por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB (www.indisponibilidade.org.br), sem prejuízo do registro do arresto diretamente nas matrículas respectivas, quando do cumprimento dos mandados que serão expedidos.
Ressalto, contudo, que os bens imóveis, veículos e cotas empresariais a serem arrestados, de propriedade de Gustavo Gazzola, Andrea Nazário de Castro e Márcia Nazário de Castro Holthausen, serão limitados àqueles que foram doados, transferidos por seus genitores ou com estes negociados.
Expeçam-se mandados de arresto e avaliação dos imóveis e cotas empresariais e do faturamento da SANENGE MINERAÇÃO LTDA. pela venda de carvão mineral à Tractebel Energia, a serem cumpridos por Oficial de Justiça em regime de plantão e urgência.
Cumpridas as medidas ora determinadas, intimem-se e citem-se.
Documento eletrônico assinado por PAULO VIEIRA AVELINE, Juiz Federal,
na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de
2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A
conferência da autenticidade do documento está disponível no
endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php,
mediante o preenchimento do código verificador 720000671049v286 e do código CRC fb6b7ae1.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO VIEIRA AVELINE
Data e Hora: 14/09/2015 17:27:27
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Data e Hora: 14/09/2015 17:27:27
Que se faça ''Justiça Ambiental'' a outras mineradoras da região carbonífera do sul de Santa Catarina, que se diga, também são criminosamente culpadas pelo caos ecológico, principalmente aos recursos hídricos. Não existe condições de vida onde passa a mineração, nem para micro-organismos, portanto a bacia do Araranguá está totalmente comprometida por causa desta ganância infecciosa dos mineradores!
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