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    POR QUE A MÔNICA NÃO TEM SAPATOS?

    Mauricio de Sousa, no site da Mônica
    Porque eu não tinha tempo para desenhá-los.
    Uma pergunta direta, uma explicação verdadeira e poderíamos terminar por aqui.
    Mas ainda sobrariam algumas dúvidas que acho bom tentar esclarecer, em homenagem e respeito aos leitores.
    Lá no começo, bem no comecinho da minha carreira de desenhista, os personagens vinham nascendo com grande dificuldade.
    Eu ainda não dominava nem ritmo, nem traço. Os roteiros nasciam de sinopses trabalhosamente repetidas, re-ajeitadas, até me indicarem um caminho com começo, meio e fim.
    Daí vinha a difícil tarefa de “vestir” o roteiro com desenhos onde o mais complicado era manter os personagens parecidos, quadrinho após quadrinho. O lápis funcionava bastante mas a borracha trabalhava muito mais. Só depois da definição dos traços é que chegava a hora igualmente trabalhosa, mas monótona, de usar a tinta nanquim nos personagens, cenários, letras, balões… e finalmente a limpeza, com muita borracha, de novo. E aqui ou ali, uma raspada de gilete num traço mal feito. O papel grosso, alemão, da marca “schöeller” agüentava muitas refações. Ainda bem.
    E mais um detalhe a ser confessado aqui: eu usava caneta para arte-final com nanquim. Ao contrário dos meus “colegas” de outros traços, que conseguiam suas maravilhas com pincel.
    Eu bem que tentei, mas o tipo de desenho que nascia do meu pincel não era o que eu gostava. Preferia o traço firme, forte, das penas com bico redondo. A tinta vinha com a energia e a velocidade que eu precisava.
    Tempo era fator de sobrevivência, naquelas circunstâncias.
    E se os primeiros personagens, de tanto serem refeitos, podiam se dar ao luxo de contar com maior número de detalhes, os que viriam depois nasciam já enxutos, quase que como desenhos pedagógicos. Mas era o que dava pra eu fazer. Não tinha auxiliares, trabalhava sozinho em roteiro, desenho e tinha que manter três tiras diárias na Folha.
    Quem analisar a cronologia do “nascimento” dos personagens, vai verificar que o primogênito Franjinha veio com roupinhas bem transadas, sapatos, meias, calça pintada de preto e até cuidadosos “pingos” de nanquim para indicar a característica franja.
    O Bidu, nascido na mesma época, também tinha seus detalhezinhos acurados, do mesmo modo que o Cebolinha, personagem secundário na série “Bidu e Franjinha”.
    O Cebolinha até que tinha mais cabelos no começo. Mas daí o tempo começou a correr muito rápido, “comendo” cada vez mais histórias. Enquanto que os roteiros pediam novos personagens.
    Então separei o Cebolinha numa série independente, cortei muitos dos seus cabelos e fui buscar o Cascão para lhe fazer companhia
    E o pobre do Cascão, prejudicado pela minha falta de tempo, “nasceu” sem sapatos.
    Não dava tempo de ficar desenhando sapatinho, meias, nada, na minha produção angustiante.
    Não dava tempo de desenhar nem os dedinhos dos pés.
    Os personagens secundários que iam chegando, “sofriam” do mesmo tratamento.
    Foi assim com a Mônica e depois com a Magali.
    E não dava para tirar os sapatos dos que já tinham.
    O público já se acostumara com eles daquele jeito.
    O Chico Bento também já havia nascido em outro jornal (Diário da Noite), ainda na época do detalhamento. Por isso não tem sapatos mas pelo menos tem aqueles dedões nos pés.
    Com o passar do tempo, o sucesso dos personagens e a possibilidade de montar uma boa equipe de artistas para me auxiliar, veio a possibilidade de criar personagens mais “requintados” em detalhes.
    Mas… como alterar figuras, traços, desenhos dos personagens já existentes que conquistaram o público mesmo sem sapatos?
    Ficaram assim.
    Não diz uma velha história que o homem feliz não tinha camisa?…

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