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    CRER PRA VER, VIU SEM CRER

     A ressurreição de Lázaro, em João 11, é um dos textos mais comentados nos púlpitos para enfatizar a fé e o poder de Jesus. Mas há alguns detalhes que não interessam à narrativa milagrosa. O ato de crer, por exemplo, é uma cobrança feita exaustivamente, exigindo dos crentes algo demasiado. Mas vamos ao texto!

    ³⁸ Jesus, pois, movendo-se outra vez muito em si mesmo, veio ao sepulcro; e era uma caverna, e tinha uma pedra posta sobre ela. ³⁹ Disse Jesus: Tirai a pedra. Marta, irmã do defunto, disse-lhe: Senhor, já cheira mal, porque é já de quatro dias. ⁴⁰ Disse-lhe Jesus: Não te tenho dito que, se creres, verás a glória de Deus? ⁴¹ Tiraram, pois, a pedra de onde o defunto jazia. E Jesus, levantando os olhos para cima, disse: Pai, graças te dou, por me haveres ouvido. ⁴² Eu bem sei que sempre me ouves, mas eu disse isto por causa da multidão que está em redor, para que creiam que tu me enviaste. ⁴³ E, tendo dito isto, clamou com grande voz: Lázaro, sai para fora. ⁴⁴ E o que fora defunto saiu, tendo as mãos e os pés ligados com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. Disse-lhes Jesus: Desligai-o, e deixai-o ir. ⁴⁵ Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo a Maria, e que tinham visto o que Jesus fizera, creram nele. 

    Toda a dinâmica anterior se dá em função de Jesus mostrar seu poder diante da fragilidade em que se encontravam Marta e Maria pela morte de seu irmão. Nada há sobre os três terem suas próprias famílias, nem atividades profissionais, posição social, ou algo que identifique-os como cidadãos comuns, digamos. Nada há na história conhecida sobre eles além do evangelho. Estranho para algo tão incrível. Afinal, a ressurreição de alguém entraria para os registros, até de povos ao redor. A única referência mais interessante seria que havia uma relação bem próxima com o Messias.

    O "tirai a pedra" tem sido usado para justificar o que cabe aos humanos, como trabalhar, ter seu sustento, ou ser um bom cidadão. Contudo, a retirada de uma pedra que fechava uma caverna não foi um ato das mulheres, com certeza. Havia homens ali e deles não foi exigido nenhum ato de fé, nem de ambas que "fizessem a sua parte". Jesus não disse a eles que cressem. Então, a retirada da pedra não foi uma exigência às duas no contexto de crer. Por outro lado, o "se creres, verás a glória de Deus" coloca uma condição. Verdade inversa, "se não crer, não verás a glória de Deus". Eis o problema e a contradição.

    Retirada a pedra veio uma encenação, a de falar com o Pai. Mas antes fica uma dúvida que o texto não esclarece. Jesus havia pedido para Lázaro ser morto para, então, mostrar poder? Ouviu sobre o quê, exatamente? Foi genérico ou específico para o caso? O "sempre me ouves" também é estranho porque é impossível, imagino, que algo seja dito sem que o Todo Poderoso ouça. Seja dito por quem for. O ouvir parece ser como concordar. "Pai, tu sempre concordas comigo!", talvez. Na sequência Jesus revela sua intensão: "para que creiam que tu me enviaste". Para mim remete ao caminho inverso do ouvir, sendo que Jesus ouviria o Pai. Algo como, "faça isso para crerem". Tudo mera especulação!

    O que não precisa ser especulado no texto é que "Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo a Maria, e que tinham visto o que Jesus fizera, creram nele". Aqui está o nó da coisa. Afinal, se não creram, como viram a tal glória? Não havia a condição de crer? Ou estaria se referindo a outra glória além daquela ressurreição? Isso está descartado porque o contexto é da volta de Lázaro à vida, sendo que não faz referência alguma a outra "glória", senão de ver um milagre.

    É quase impossível imaginar que os crentes queiram questionar alguma coisa. Creem cegamente. Não olham para os textos atrás de verdades, mas como se fosse verdade e ponto final. Assim lhes é impossível adentrar mais profundamente. Ficam na superfície que interessa a quem precisa manter os fieis sentados à sua frente. Nem para se perguntarem como saiu da caverna para depois ter seus pés e mãos desatados!

    Este texto de João é uma boa referência. Exemplo de que mentiras nunca serão completas a ponto de não as percebermos. E é bom lembrar que Lázaro está morto!

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