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    A ETERNA EVA NAS MULHERES

    O mito do Édem bíblico é isso, mito. Uma explicação tosca de nossa origem e do porque o mal impera em toda a trajetória humana na Terra, pois deixa lacunas importantes na narrativa. Porém, todo mito traz lições e baseia-se na adaptação da realidade ou ela quer explicar, segundo engendrado por seus criadores ou arranjos somados no tempo, como é comum nas tradições orais. Com o tempo ganha e perde detalhes. Neste caso há algumas verdades nas entrelinhas. Então, vou expor algumas.

    O Édem é chocante porque ofende algumas mulheres, senão todas, pelo que expôs de forma a identificarmos sua "tese" ainda hoje. Ou revela o entendimento da natureza da mulher, como um espelho do feminino. E, um outro detalhe, aquela ideia de que viemos de uma Eva, de nossa herança mitocondrial, é falsa. Vamos ao texto em Genesis 3.1-7.
    ¹ Ora, a serpente era mais astuta que todos os animais do campo que o Senhor Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?
    ² E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos,
    ³ Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais.
    ⁴ Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis.
    ⁵ Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.
    ⁶ E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.
    ⁷ Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais. 
    "Expulsion of Adam and Eve from Paradise", Benjamin West, 1791.

    No primeiro detalhe a serpente, que preferiu atacar Eva, o que infere ser Adão mais forte e resistente à tentação, disciplinado, tocou num ponto crucial para elas: imortalidade. Ou, a não-morte. Assim, começou a fisga-la pela manutenção de sua beleza e juventude, já que não seria razoável envelhecer progressivamente sem fim. A imortalidade seria a mesma coisa que manter-se jovem. Mas note que estavam no Paraíso e não tinham qualquer experiência, supõe-se, de morte ou mesmo envelhecimento. Jeová tinha dito a eles que um dia morreriam? Pois é, parece que sim. No contexto da Torah, a morte é o total desaparecimento, já que a ideia de Céu e ressurreição vieram muito depois. Do contrário oferecer imortalidade não faria sentido. E sabemos como o envelhecimento afeta mais as mulheres que os homens.

    Depois, o ápice da vaidade: "e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal". Isso remete ao desejo de controle da mulher sobre o homem, circunstâncias, família, etc. Sim, a serpente oferece o domínio sobre os demais seres vivos. Oferece porque Eva não tinha. Tal domínio foi dado a Adão antes dela surgir. Ter poder é um atrativo poderoso que faz derrubar muitas barreiras. Aqui, percebam, aponta para o poder sem consequências, como atrativo.

    Note, igualmente, que não faz sentido ela saber do bem e do mal se, novamente, estavam no Paraíso. E, como alguém que vivia na pureza entenderia a linguagem da dicotomia numa disputa entre BEM e MAL? Ora, para ser atraente a proposta deve ser conhecida em todos os sentidos. Como Eva se deixaria subverter por uma ideia completamente desconhecida? Imagine alguém te oferecer uma casa no loteamento Senfina Truo*. Aceitarias sem saber onde e como é? Parece que detalhes falam tanto quanto a mensagem central.

    No terceiro ponto, fervilhando pela possibilidade de não morrer e ser como Deus, ela viu que a árvore "era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento". Assim, seu instinto básico de alimentação também foi atiçado por aquilo que, talvez, seja o mais claro do feminino, a beleza, a aparência. Eva, como as mulheres de hoje (e sempre), prioriza a aparência, mais que a possível punição.

    Quarta observação. Ela deu ao marido arrastando-o para a sua desobediência. Neste ponto repousa algo estranho e sem qualquer sentido lógico: ela comeu antes dele, mas seus olhos se "abriram" somente depois que ele também comeu.

    Sigamos!
    ¹² Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi.
    ¹³ E disse o Senhor Deus à mulher: Por que fizeste isto? E disse a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. 
    Aqui Adão coloca a culpa no próprio Deus. E não estava de todo errado. Não era a auxiliadora? Era! Deveria confiar que a auxiliadora SEMPRE faria o melhor para ambos? Imagino que sim. Mas o problema é ainda mais complexo. O casal eventualmente se separava para que ela pegasse do fruto sem que ele visse. Óbvio, já que Adão não participa do diálogo com a serpente. Outro detalhe que está ocultado no texto: a árvore era única e, por isso, facilmente identificada; ou deu o fruto por ser consumido de outras árvores? Assim Adão não saberia sua origem. Ela não argumenta e ele não a questiona ("tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela"). Por este detalhe me faz pensar que não era única da espécie, havendo outras iguais.

    Nos versos 12 e 13 remete ao que vemos facilmente: transferência de culpa. A serpente enganou? Não. Assim, morreu, acabou! Vamos dividir a conta. Quem enganou foi o próprio Jeová ao não dar o devido conhecimento, como se saber do bem e do mal seja ruim. E, mais, nos tornou culpados por sabermos. Ora, que justiça há nisso? E a serpente, antes mesmo da fruta ser comida, revelou a verdade. Neste sentido, o de consciência, a serpente fez mais pela humanidade que seu próprio Criador.

    Hoje, sabemos o que é o bem e o mal e não morremos, caso tenhamos espírito e este se perpetue. Ou estamos mortos numa consciência apenas nesta existência. Na Torah não havia vida após esta vida material, não havia Céu. No caso em questão, poderia se dizer o mesmo de Adão. Contudo, o texto não remete a isso dado o fato de que o homem não pediu pela mulher. Sequer o deus bíblico perguntou se Adão queria uma companheira. Foi um costelaço goela abaixo! Entenda, na origem bíblica, o homem se perpetuava em sua descendência. Porém, a conta não fecha se o PLANO DE DEUS era que Adão vivesse só. A adição da mulher mudou a própria existência, na qual Adão, como nós, deixaríamos de existir. Deu uma auxiliar e a morte no mesmo pacote. Queridão que me lê agora, este livro é mesmo uma piada em se tratando de coesão e respostas. Como podem achar que vem do próprio Criador?

    Passados estes detalhes para mostrar a fraqueza do texto, voltemos o foco pra a natureza da mulher.

    Esses detalhes estão em um contexto bem interessante. A cultura da época identificou uma propensão, ou natureza, da mulher, sendo fraca a ponto de seguir a orientação de uma serpente, deslumbrada pelo poder e beleza. Esta era a visão que se confirma facilmente nas redes sociais, nas quais as mulheres priorizam a aparência e culpam os homens por tudo. E quando estão bem é porque elas conseguiram sem ajuda de "macho". A serpente seria uma metáfora absurda, remetendo à fragilidade feminina, capaz de dar ouvido a um animal repugnante, bastando que ofereça algo que seja adequado às suas ansiedades. Por outro lado, escrito por homens, seria natural que se justificassem nelas. De qualquer forma o homem padeceu do mesmo jeito.

    O Édem pode ser uma forma que homens na antiguidade encontraram para exemplificar sua visão da natureza da mulher. Em todas as culturas milenares a mulher é, digamos, controlada para ser protegida do meio ambiente e de homens violentos de fora de seu grupo. Mas também esse controle surge porque elas não possuem ímpeto para a liderar. Enfim, as conclusões podem ser as mais diversas e cabe a você tirar as suas.

    Por não ter nessa parte da Bíblia nada que me ensine algo, ou que explique como fomos criados, analisei como um mito e registro meu lamento que isso seja tratado como verdade por tanta gente, por tanto tempo. Eis um dos malefícios da fé: questionar é pecado!

    Este texto te parece machista? Bem, se você conseguir definir o que seja machismo, talvez possamos analisar sob sua ótica. Sem isso fica difícil. É como a Esquerda que diz defender mulher, sem definir o que seja uma mulher.


    *Senfina Truo significa "buraco sem fundo" em Esperanto.



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