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    DO CONCEITO E DO PRECONCEITO

    Há uma linha tênue entre conceito, preconceito e liberdade de expressão. As coisas andam um tanto confusas nesses nossos dias. Ainda mais que chamar de ''preconceituoso'' virou xingamento, da mesma forma que fascista. Em ambos os casos tenho notado que a pecha advém da própria falta de conhecimento. Nalguns exemplos quem acusa de preconceituoso sequer se conhece a ponto de ter certeza que suas ideias são fruto de conhecimento ou de mero interesse momentâneo. O próprio conceito de ''conceito'' se perde no turbilhão de preconceitos semânticos. Tudo irrigado e reproduzido em nome da ''liberdade de expressão''. Quem acha que tem conceito pode ter preconceito.

    A formação de um conceito nunca será coisa de um ponto de vista, mas resultado da vista de vários pontos e mutáveis na medida da chegada de novas informações. Conceito advém da formação de uma ideia fruto de informações, as mais diversas, notadamente com amparo científico.

    O amparo religioso é um péssimo modo de se sustentar uma ideia já que a religião ali ao lado pode ter concepção diversa e ambas têm por sustentação apenas e tão somente a fé. O sujeito defende aquilo porque sua religião, que se mistura com a cultura (visão de como o mundo seria) diz que é assim. Tivemos no Brasil indígenas que matavam um dos gêmeos porque entendiam que apenas um deve seguir vivendo. Os Astecas, Incas e Maias, sustentavam sua religiosidade sacrificando outras vidas humanas em culto. Canibais da Nova Guiné, até meados do século passado comiam seus inimigos para obter deles suas virtudes. Os católicos entendem que a transubstanciação torna em carne de Cristo a hóstia dada na missa. Os pentecostais creem que ao receberem o batismo com o Espírito Santo passam a ter poderes e uma comunhão com Deus que os demais não têm. Neste particular há uma clara inferiorização dos que não falam ''línguas estranhas'' numa Assembléia de Deus. Ora, é comum a imitação de sons uns dos outros como se falassem alguma coisa divina e, assim, estarem em igualdade com o grupo. São alguns exemplos que afetam diretamente o cotidiano e a imagem que religiosos têm de si mesmos a influenciarem seu círculo de relacionamentos.

    Nossa sociedade passa por transformações constantemente: mulheres descasadas eram muito mal vistas até bem pouco tempo (hoje temos uma presidente); pertencer a um partido político era tradição de família e a troca era uma afronta; clubes de negros e brancos era coisa comum; homens de cabelos compridos foi vergonha pra família; profissões foram coisas de gênero; casamento entre pessoas de estratos sociais distintos era tacitamente negado. Enfim, preconceito e conceito é coisa de época também.

    A liberdade de expressão traz em seu bojo a responsabilidade. Ora, ao definirmos que alguém é preconceituoso pode ensejar apenas que há um conceito anacrônico ou carente de informação, coisa que pode ser afeta a quem acusa. Ou pior, apenas seguindo a orientação de uma religião, da microcultura, da ideologia, das necessidades do momento etc.

    O que temos hoje por preconceito pode ser conceito amanhã, ou seu inverso. O fato é que o pensamento é dinâmico.

    Não podemos ignorar que o pensamento que foi conceito no passado teve sua origem, sua formação, sua aplicabilidade e manteve certos arranjos sociais confortáveis. Por exemplo, a dificuldade ou impedimento do divórcio manteve forte a família. A facilidade de separação, por sua vez, enfraquece a família, tornando-a um misto de várias relações. Os danos à formação do cidadão são claros.

    Outro preconceito é o de mulher não poder sair sozinha ou à noite. Remetendo-nos ao passado tal situação fica claríssima. Assim, como a vida impõe mudanças os conceitos seguem tais mudanças e sempre virão depois. Como fazer uma faculdade para progredir na vida sem aulas à noite?

    Por fim, manter pechas revela o vício dos rótulos, os quais nos remetem a não ter que analisar como e porque alguém formou seu pensamento. O rótulo é o meio pelo qual define-se grupos inimigos e se trava guerras ideológicas e sectárias. Tudo muito tribal, não acham?!

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